sexta-feira, 29 de março de 2024

A nossa fiel amiga

 




a Tristeza

uma amiga

que veste saias

até à garganta,

mostrando

só,

o olhar calçado

de gotas gordas.

 

uma amiga

nas horas cheias

de vazios fechados.

 

segue-nos

tapando os passos

no caminho riscado.

 

ensina

a vida

a minguar sorrisos

desmaquilhados.

 

empurra-nos

para debaixo

dos ponteiros

para nos salvar

do tempo gasto.

 

adormece

os grãos,

no frasco da ampulheta

para termos tempo de desaguar o rosto

nos tejos

sem pressas

para curar feridas.

 

um dia

essa amiga

será minha esposa

e nunca minha viúva

teremos dois filhos

uma menina chamada Angústia

um menino chamado Arrependimento.





terça-feira, 26 de março de 2024

Os ecos não são vozes nem o amor são falas






Falas como se desconhecesse

O lugar do choro e das mágoas,

Como se desconhecesse a forja

Das tuas garras.

 

Falas com a voz de uma tribo inteira,

Das direções certas,

Das batalhas sem derrotas,

Das derrotas que serviram

De força,

Agitadora das vitórias.

 

Esqueceste de falar

De todas as indecisões

Que te mantiveram parada,

 

De todas as lições que deste

Sem as comprovares na pele.

 

No fim da conversa,

A fome do peito

Sabe a silêncio

E não a amor,

Como dantes,

Quando sentíamos

Medo,

Quando um ou outro

Não chegava a tempo

De amar.





sexta-feira, 22 de março de 2024

Cuida dos meus olhos

 








Em Ti

Em ti,

tudo nascia

mais verde,

amadurecendo o belo...

 

Tudo

Tudo em ti,

ganhava o inverso do escuro,

no alinhavado sorriso.

 

Nasceste

de um poema,

verso

caule,

maestro

erguendo

sentimentos em tudo

que nascia,

protegido pelo solo

da carne,

depois do véu da pele.

 

Chamaram-te

alma

árvore

tutora,

para mim serás

mãe de todas as dores curadas,

de todos os amores

desembrulhados na pele

de mulher amada...

Quando se deixa o amor cravejando os calcanhares…

 



No cimo

do tempo frio,

reviver

é desbotar

o branco cavo

da idade,

silenciada

quando negámos

o amor a cada passo...


quarta-feira, 20 de março de 2024

Um amor caído do céu

 






Vou contar a história de um amor improvável.

Ele era um borracho, aprendendo os primeiros passos, despenando as rotas, seguindo o assobio do vento ao lado dos seus irmãos.

Um dia, nessa jornada, ele se perdeu na neblina e pousou numa ravina à beira do mar, exausto, ferido, adormeceu encolhido pelas frias brisas...

 

Uma gaivota de perna arregaçada se aproximou...

Foi amor à primeira vista...

A gaivota cuidou do futuro pombo, levou-o para o seu ninho, deu-lhe no bico o seu peixe favorito...

O borracho recuperou as forças e a esperança de baloiçar novamente suas asas.

 

Os dois compartilharam os afazeres das penas.

Ensaiaram… no almofadado chão das nuvens os levantes e os pousares.

Ergueram juntos, um novo cantar.

 

Um dia, o borracho se tornou pombo.

Um dia olhou para o céu e viu um bando e voou em sua direção...

Nesse dia, a gaivota perdeu a vista e o seu coração.

O seu amor nunca mais voltou...

Seu peito tornou-se uma caixa vazia sem o seu pombo-correio.

 

Agora, todas as manhãs, aquela gaivota espera o retorno da sua alma, no mesmo lugar da largada …”enrochada” de mágoa …

Ela esgota os possíveis olhares, olhando à sua volta em busca de um possível regresso do seu amado.

 

”enrochada” - Palavra inventada, para descrever a saudade fóssil de uma ave  


terça-feira, 19 de março de 2024

Enchemos o coração de pegadas


 




a tua primeira pegada foi no meu coração.

depois desse momento,

não me lembro de momentos antes de ti!


hoje amanheci com o som dos teus lábios,

beijando um “amo-te” e um feliz dia do pai.

não podia pedir mais ao acordar.

 

nasci no dia que te senti.

cresci contigo, centímetro a centímetro.

aprendi a olhar o mundo cá fora,

com olhos baixos ao nível das coxas.

segui ao teu lado, a gatinhar.

demos o primeiro passo e caímos os dois para trás,

corremos, saltamos.

aprendemos a dizer papa,

acreditei que era papá.

 

hoje amanheci assim,

de ramelas encharcadas nos olhos

e um coração cevado de amor por ti, meu filho.







segunda-feira, 18 de março de 2024

Destrancar o olhar…

 










menina das searas na cara,

não me olhes com a pressa dos veículos.

meus olhos sem fala.

 

quero ver o teu olhar,

no pairar de um suspiro,

sentir que posso entrar

no teu mundo

pela mesma porta

que a lágrima tranca

e avança

no declive liso

do teu rosto, menino.

 

prometo

que estarei atento

no átrio dos teus olhos…

 

deixarei, como alfombra,

o linho de um lenço

para secar o mar derramado

do alto do olhar.

 

deixarei nos cantos

sementes de arco-íris

para que o choro

ganhe as luzes das cores

e não as sombras das dores.



quarta-feira, 13 de março de 2024

Somos mistura na doçura do sal

 



o que nos une nas horas desiguais?

 



talvez

seja o reencontro

de tudo o que se procura

a dois

 

o tal toque

farto de meiguice

em pose

em ambos os lados

 

os lábios

varrendo o corpo

com sopros de mar

 

o colo

em concha

baloiçando

o tumulto vivo

de sermos íntimos

num só gesto

bailado

nos poros

há muito castrados



terça-feira, 12 de março de 2024

Alógico… marear

 




aqui chegados

 

cansados

de lonjuras…

 

demasiado afastados

dos braços

sabendo antemão

que o coração

não amanta

para sempre

o amor de ontem

 

chegamos 

com olhos gretados

e as vontades

branquejadas 

no desconcerto das horas

 

 

sabendo muito mais

o que não queremos

do que aquilo que podemos ter

 

 

afinal 

não podemos magoar o mar, quando o pisamos

não mudaremos os silêncios gigantes dentro da gente

não arriscaremos, salvar a esperança, no pisado olhar

não poderemos resgatar um grito, de azul por dentro

que possa ainda despertar, o sonho chorado 


sábado, 2 de março de 2024

Mulher



Deus só pode ser mulher, como é evidente

Engravida o mundo no seu ventre

E na milagrosa hora do nascimento,

Transforma todas as dores em sentimento... pela gente